Entrevista exclusiva feita pelo Metrópoles mostrou um esquema interceptado pela Polícia Federal do Amazonas (PF) que identificou Abdulhakim Tokdemir, chefe de um grupo islâmico que, desde 2019, tem catequizado dezenas de crianças e adolescentes indígenas de São Gabriel da Cachoeira, a 852 km de Manaus, para seguir o islã. Não há registro de islamização de indígenas antes disso na história do Brasil. A reportagem foi até São Gabriel da Cachoeira e Manaus, ambos no Amazonas, e São Paulo, conversou com 18 pessoas e andou mais de 6 mil quilômetros para entender melhor essa história e revelar, em primeira mão, o funcionamento dessa nova forma de catequização.
Além da doutrinação em território brasileiro, esses adolescentes são levados de suas comunidades, em São Gabriel da Cachoeira (AM), cidade mais indígena do Brasil e que fica na divisa com a Colômbia e a Venezuela, e enviados para Manaus, com parada em São Paulo e destino final na Turquia, quando completam a maioridade.
A reportagem identificou que além da doutrinação em território brasileiro, esses adolescentes são levados de suas comunidades, em São Gabriel da Cachoeira (AM), cidade mais indígena do Brasil e que fica na divisa com a Colômbia e a Venezuela, e enviados para Manaus, com parada em São Paulo e destino final na Turquia, quando completam a maioridade.
Na capital amazonense, crianças e adolescentes vivem em um sobrado transformado em internato, onde ganham nomes em árabe. Lá, eles ficam diariamente em contato com o idioma turco e árabe. Os internos são ensinados ainda sobre o Alcorão e seguem uma rotina religiosa, que inclui cinco orações diárias e respeito ao jejum do Ramadã, mês sagrado dos muçulmanos.
Alguns frequentam escolas de ensino regular, outros nem isso. Em São Paulo, ficam mais um tempo em outro tipo de internato, e os mais velhos são enviados para as cidades de Kütahya e Tarsus, interior da Turquia, onde são matriculados em escolas religiosas.
Pelo menos cinco indígenas já foram retirados do Brasil e levados para território turco de 2019 para cá. O grupo islâmico que comanda a doutrinação se autointitula Associação Solidária Humanitária do Amazonas (Asham), e só se interessa por garotos indígenas. Nenhuma menina indígena foi levada pela organização.
Os pais dos alunos assinam uma autorização informal para a entrada dos filhos nesse grupo islâmico, com a promessa de fazer faculdade. Para famílias em situação de vulnerabilidade, em uma das cidades mais remotas do Brasil, a possibilidade de uma vida com mais oportunidades é um grande atrativo.
A autorização, no entanto, não vale nada na prática. A instituição islâmica não tem cadastro para funcionar como abrigo nem a guarda das crianças e dos adolescentes. De olho no grupo, a polícia desconfia das boas intenções pregadas.
Da mata para o Islã
Mais jovem de 10 irmãos, Angelo (*nome fictício) nasceu e viveu até os 14 anos em Cucura Manaus, uma comunidade indígena no meio da Floresta Amazônica, perto da fronteira com a Colômbia.
*A reportagem optou por colocar nome fictício para evitar a exposição do adolescente na comunidade.
Filho de mãe do povo Tukano e pai Desana, o garoto indígena cresceu sob os cuidados dos irmãos mais velhos. Culturalmente, os indígenas da região recebem a responsabilidade de cuidar dos irmãos mais novos. Foi desse lugar que Angelo ficou sabendo de uma história vinda da cidade mais próxima, São Gabriel da Cachoeira (AM). “Minha tia disse que uma associação ajudava as pessoas carentes”, resumiu Irene, de 28 anos, uma das irmãs de Angelo, que mora no município.
Um familiar de Angelo negociou diretamente com Abdulhakim Tokdemir a ida do sobrinho para a Asham em Manaus (AM).
Depois de um ano morando na associação islâmica em Manaus, na tarde do dia 28 de fevereiro de 2023, Angelo foi um dos 14 adolescentes e uma criança resgatados no sobrado em que eles ficavam em Manaus, em uma operação com apoio da Polícia Federal por causa de irregularidades na documentação e nas condições do imóvel.
Equipes de conselheiros tutelares, com apoio da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), constataram três freezers cheios de carnes vencidas desde 2021 – o alimento era consumido pelos adolescentes.
Os agentes também identificaram que a instituição muçulmana não tinha a guarda das crianças e dos adolescentes, o que seria necessário para mantê-los longe das famílias. Além disso, o registro do CNPJ da Asham não era para abrigo e não havia cadastro na prefeitura.
Todos os adolescentes e crianças resgatados voltaram para a casa dos pais, entre eles Angelo. Os conselheiros tutelares e a polícia não têm um número exato de quantos indígenas passaram pela instituição, mas sabem que são dezenas.
Em outubro, eram oito abrigados com idades entre 9 e 15 anos. No começo de fevereiro, havia 18 adolescentes e crianças.
No dia a dia dessa espécie de internato islâmico criado em Manaus, as atividades religiosas aconteciam com mais intensidade durante a manhã. Parte dos alunos ia para a escola regular à tarde. Por falta de documentação, oito estavam sem matrícula na rede estadual neste ano.
As aulas de árabe, por exemplo, eram repetições de páginas do Alcorão que deveriam ser decoradas em detalhes. Nas sextas-feiras, os jovens eram levados para uma reza especial na mesquita. Durante feriados e folgas prolongadas, os alunos tinham intensivão de árabe e turco. Nas férias, voltavam para a casa dos pais em São Gabriel da Cachoeira.
A reportagem tentou contato com a mesquita, que funciona no Instituto Islâmico de Manaus, mas os pedidos de entrevista não foram atendidos.
Durante uma visita à instituição islâmica em janeiro de 2023, conselheiros tutelares de Manaus relataram que se depararam com um local insalubre: um quarto com beliches e “muitas carnes expostas penduradas”. “Para ser um abrigo, precisa melhorar muito”, escreveram os conselheiros em um relatório.
Fonte: Metrópoles
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